segunda-feira, 13 de julho de 2015

O único cadinho de Deus que nos é permitido tocar


Quem, senão Deus, teria o dom da criação?
Quem, senão Deus, teria recebido a santa graça
de fazer romper das trevas a luz?
de fazer brotar na matéria bruta a alma e o espírito que anima
e movimenta
e dá curso, sentido, harmonia ao gesto?
Quem, senão Deus, seria capaz de abraçar sem constranger
abrigar sem algo cobrar
aconchegar sem o quê do desdenhar
doar sem a fração vil do trocar
estimular, elevar, orientar, corrigir
assim naturalmente, bem naturalmente
como se estivesse a respirar, cantarolar?
Responda caso exista na terra quem guarde a chave do segredo-mater
Quem, senão Deus, seria capaz de insinuar o rasante sereno, frágil e
sublime da borboleta-azul
mas ousar o vôo soberano, impetuoso e virtuoso da águia-real?
Seria a mãe-do-sol?
A mãe-do rio talvez...
Ou seria a mãe-do-ouro, a senhora reluzente que
guarda todas as minas do precioso torrão dourado?
Poderia ser a mãe-do-fogo, a alva tora de madeira que guarda diligente
a chama por dias a fio?
Investigo e não encontro quem – à semelhança de Deus – teria o
poder de sussurrar ‘fiat lux’
dobrando a escuridão numa via larga que irradia clara claridade
Então recorro à mãe-da-mata, à mãe-da-lua
à mãe-da-taoca, à mãe-de-anhã
à mãe-de-aratu, à mãe-de-tamaru
Inquiro à mãe-de-balata, à mãe-da-tora
Do infinito, responde um silêncio denso... chego a pressenti-lo
sim, consigo tocá-lo
Então me quieto num esforço quase insano para escutar o coração
E ele bate, e rebate, e repica num frenesi afoito
e ressoa intensamente, se impacienta, clama e ser arvora no direito de responder
E o faz também inquirindo
Quem exala, com intensidade, carinho
e dissemina, com grandeza, perdão
e semeia, com graça-divina, amor
senão a mãe que origina e amamenta
sustenta, educa e, educando, germina o planeta?
Quem?, senão a mãe que acompanha
e edifica
nascida para ungir o mundo de centelhas e luzes, como nas infindáveis
erupções solares?
Sim, a fonte originária, a fonte primeira
A santa-madre
a mulher-deusa
a única capaz de avançar no paraíso
para de lá extrair rebentos, filhos, fachos de vida
Mãe: eis aqui a nossa resposta!
Porque mãe é o único cadinho de Deus que nos é permitido tocar.

Rodoux Faugh